Escatologia Ecológica e Cordel: A Voz Profética da Terra

A escatologia, enquanto doutrina cristã sobre os “últimos tempos”, historicamente concentrou-se nos destinos da alma humana, no juízo final e na consumação da história. No entanto, uma ampliação dessa perspectiva tem sido cada vez mais necessária: trata-se da escatologia ecológica, uma abordagem que reconhece o futuro da criação como parte integrante da esperança cristã. Sob esse olhar, o mundo natural — árvores, rios, animais, solos e climas — não é apenas cenário da história humana, mas protagonista do drama redentor. A natureza não está destinada ao colapso ou ao descarte, mas à transfiguração. Esse entendimento se ancora na convicção de que a redenção abrange todas as coisas criadas (cf. Rm 8:19-23), e que o cuidado com a Terra é inseparável do anseio escatológico por um “novo céu e nova terra”. Dentro desse horizonte, a poesia de cordel desponta como expressão sensível e poderosa dessa consciência. Por meio de versos simples, rítmicos e populares, o cordel tem sido veículo de denúncia, ensino e convocação. Quando vinculado à temática ecológica, torna-se uma verdadeira voz profética da Terra, capaz de traduzir em linguagem acessível a complexidade teológica do cuidado com a criação. A escatologia ecológica também exige uma inversão de paradigma: não se trata apenas de esperar o que virá, mas de agir no presente à luz do futuro esperado. O abandono da natureza, nesse sentido, revela não uma falha administrativa, mas uma falência espiritual. Daí emerge o conceito complementar de uma ecologia escatológica: a percepção de que o desprezo pelo meio ambiente gera não apenas desastres ecológicos, mas desamparo existencial e desenraizamento espiritual. Quem destrói sua casa, arrisca-se a viver na rua — não apenas como metáfora social, mas como condição ontológica. O cordel, ao articular fé e natureza, projeta imagens vivas desse embate entre descaso e esperança. Versos que falam de rios secos, bichos calados e chuvas desaparecidas não apenas descrevem catástrofes, mas gritam por arrependimento, conversão e recomeço. A linguagem poética torna-se, assim, linguagem profética. Pensar escatologicamente o meio ambiente é, portanto, mais do que uma inovação teológica. É uma urgência espiritual. É reconhecer que a criação geme não como coadjuvante, mas como partícipe da promessa. E é afirmar que a espiritualidade cristã que ignora a Terra como “casa comum” está construindo seu futuro sobre o vazio. O cordel, ao emprestar sua cadência à profecia, oferece mais do que estética: oferece resistência. Uma resistência rimada à lógica da destruição. Uma esperança popular contra o colapso institucionalizado. Uma forma de dizer que a Terra não é descartável, porque o Reino é abrangente — e começa onde houver cuidado, reverência e poesia.
Árvores: A Ecologia da Existência

As árvores sempre foram mais do que organismos biológicos. Elas são presenças. São portadoras de memória, testemunhas silenciosas do tempo e mediadoras entre o céu e a terra. Em muitas culturas e tradições religiosas, inclusive na cristã, as árvores ocupam um lugar simbólico profundo, representando vida, justiça, sabedoria e enraizamento. Desde as primeiras páginas do livro de Gênesis, as árvores aparecem como figuras centrais. No jardim do Éden, são elas que delimitam o espaço da liberdade e do limite: a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal (Gênesis 2:9). No último livro, Apocalipse, novamente encontramos a árvore da vida, agora plantada no centro da cidade celestial, cujas folhas servem para a cura das nações (Apocalipse 22:2). O imaginário bíblico, portanto, começa e termina sob a sombra de árvores. Pensar ecologicamente as árvores é, nesse sentido, pensar teologicamente a existência. Não há espiritualidade enraizada que ignore as raízes do mundo. Árvores não são apenas parte da paisagem: são estruturas da convivência. Produzem oxigênio, sustentam microclimas, protegem os solos, alimentam animais e abrigam vida. Mais do que isso, sustentam uma pedagogia da lentidão, da permanência, da espera paciente — elementos fundamentais para uma espiritualidade que se quer profunda. A ecologia da existência passa por uma conversão do olhar. Em vez de se ver uma árvore como recurso, é preciso percebê-la como relação. Árvores não existem para o uso exclusivo do humano; elas são parte de um tecido de interdependência do qual a humanidade também depende. Cortar uma árvore sem necessidade, portanto, não é apenas uma perda ambiental: é uma ruptura existencial, um tipo de amputação simbólica da própria condição de habitar o mundo. A tradição profética hebraica e cristã também associa árvores à justiça. No livro dos Salmos, o justo é comparado a uma árvore plantada junto a ribeiros de águas, que dá fruto no tempo certo e cujas folhas não murcham (Salmo 1:3). A justiça, nesse modelo, não é apenas uma ideia ética, mas um modo de estar enraizado no mundo, fecundo, coerente e firme. A devastação de florestas, portanto, não diz respeito apenas à perda da biodiversidade, mas à erosão de um modo de existência em harmonia com o tempo, o espaço e o outro. A ecologia das árvores é também a ecologia da alma. E o desaparecimento das árvores pode significar também o desmoronamento de um certo tipo de humanidade. Em tempos de crise climática, a restauração do verde não é apenas uma pauta ambiental, mas uma urgência espiritual. Reflorestar é também rezar com as mãos. Plantar árvores é um ato litúrgico silencioso que responde à destruição com esperança e à pressa com permanência. A árvore, com sua linguagem sem palavras, ensina a viver com profundidade, a suportar os ventos sem deixar de crescer, e a frutificar para além de si. Em sua silenciosa estatura, ela afirma: viver não é correr — é permanecer.
O Solo como Lugar Sagrado: Espiritualidade que Germina

O mundo contemporâneo experimenta um colapso simbólico dos elementos. A água tornou-se escassa, o ar tornou-se irrespirável, o fogo tornou-se devastação e a terra, esgotamento. O que antes era equilíbrio dinâmico agora tornou-se ameaça latente. E diante disso, não são apenas as estruturas ecológicas que colapsam — a esperança também adoece. A tradição cristã sempre reconheceu os elementos como portadores de sentido. São parte da criação e também da revelação. A terra, no Gênesis, é modelada pelas mãos do Criador; a água, nas narrativas do Êxodo e do batismo, simboliza passagem e renovação; o fogo, no Pentecostes, manifesta presença divina; e o ar — o sopro — é o próprio Espírito (ruach) que anima e sustenta toda vida (Gênesis 2:7). Entretanto, em um tempo de crise planetária, os elementos parecem ter perdido seu brilho simbólico e se transformado em objetos de medo. O que fazer quando os sinais da vida se tornam sinais da morte? Quando os quatro pilares do mundo natural se desequilibram, como sustentar uma espiritualidade encarnada? A escatologia ecológica propõe uma resposta: é necessário recuperar a esperança cósmica, aquela que crê não apenas na salvação individual, mas na redenção da criação como um todo. Essa esperança não ignora o sofrimento da Terra — pelo contrário, parte dele como clamor escatológico. A própria Escritura afirma: “Toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora” (Carta aos Romanos 8:22). Os gemidos da Terra não são lamento final, mas prenúncio de parto. Essa visão não espiritualiza a destruição. Não há redenção sem reconciliação. E reconciliar-se com os elementos exige rever práticas, reeducar o desejo e repensar o modo como se habita o mundo. Esperança cósmica não é utopia ociosa, mas movimento ético e litúrgico que envolve a conversão do olhar e do gesto. A teologia da criação, nesse sentido, chama o ser humano à corresponsabilidade cósmica. Os elementos não foram dados para uso arbitrário, mas confiados como dons a serem cuidados. O apocalipse bíblico não é um projeto de aniquilação, mas de revelação: a desordem do mundo expõe o descompasso entre a criação e o coração humano. O fim dos elementos, se vier, será consequência do esvaziamento da consciência. Mas a esperança permanece. Porque ela não se ancora em previsões, mas em promessas. Promessa de restauração, de céu e terra renovados (Apocalipse 21:1), onde os elementos não serão destruídos, mas reconciliados. Uma esperança cósmica é, portanto, uma espiritualidade planetária: não se espera um mundo novo sem aprender a cuidar do mundo que já é. A crise é real, mas não é definitiva. Ela pode ser o limiar de um novo ciclo espiritual. Quando a água volta a ser fonte, o fogo volta a ser presença, o ar volta a ser sopro e a terra volta a ser ventre — então, mesmo em meio ao caos, ressurge a possibilidade do reencontro. Com o mundo. Com o Criador. E consigo mesmo.
O Fim dos Elementos? Esperança Cósmica em Meio à Crise

O mundo contemporâneo experimenta um colapso simbólico dos elementos. A água tornou-se escassa, o ar tornou-se irrespirável, o fogo tornou-se devastação e a terra, esgotamento. O que antes era equilíbrio dinâmico agora tornou-se ameaça latente. E diante disso, não são apenas as estruturas ecológicas que colapsam — a esperança também adoece. A tradição cristã sempre reconheceu os elementos como portadores de sentido. São parte da criação e também da revelação. A terra, no Gênesis, é modelada pelas mãos do Criador; a água, nas narrativas do Êxodo e do batismo, simboliza passagem e renovação; o fogo, no Pentecostes, manifesta presença divina; e o ar — o sopro — é o próprio Espírito (ruach) que anima e sustenta toda vida (Gênesis 2:7). Entretanto, em um tempo de crise planetária, os elementos parecem ter perdido seu brilho simbólico e se transformado em objetos de medo. O que fazer quando os sinais da vida se tornam sinais da morte? Quando os quatro pilares do mundo natural se desequilibram, como sustentar uma espiritualidade encarnada? A escatologia ecológica propõe uma resposta: é necessário recuperar a esperança cósmica, aquela que crê não apenas na salvação individual, mas na redenção da criação como um todo. Essa esperança não ignora o sofrimento da Terra — pelo contrário, parte dele como clamor escatológico. A própria Escritura afirma: “Toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora” (Carta aos Romanos 8:22). Os gemidos da Terra não são lamento final, mas prenúncio de parto. Essa visão não espiritualiza a destruição. Não há redenção sem reconciliação. E reconciliar-se com os elementos exige rever práticas, reeducar o desejo e repensar o modo como se habita o mundo. Esperança cósmica não é utopia ociosa, mas movimento ético e litúrgico que envolve a conversão do olhar e do gesto. A teologia da criação, nesse sentido, chama o ser humano à corresponsabilidade cósmica. Os elementos não foram dados para uso arbitrário, mas confiados como dons a serem cuidados. O apocalipse bíblico não é um projeto de aniquilação, mas de revelação: a desordem do mundo expõe o descompasso entre a criação e o coração humano. O fim dos elementos, se vier, será consequência do esvaziamento da consciência. Mas a esperança permanece. Porque ela não se ancora em previsões, mas em promessas. Promessa de restauração, de céu e terra renovados (Apocalipse 21:1), onde os elementos não serão destruídos, mas reconciliados. Uma esperança cósmica é, portanto, uma espiritualidade planetária: não se espera um mundo novo sem aprender a cuidar do mundo que já é. A crise é real, mas não é definitiva. Ela pode ser o limiar de um novo ciclo espiritual. Quando a água volta a ser fonte, o fogo volta a ser presença, o ar volta a ser sopro e a terra volta a ser ventre — então, mesmo em meio ao caos, ressurge a possibilidade do reencontro. Com o mundo. Com o Criador. E consigo mesmo.